"Ficar longe de casa significa ficar longe de tudo o que nos dá confiança que necessitamos para viver o nosso dia a dia."
Em Cabo Verde, já é bastante comum, um grande número de estudantes universitários abandonarem o aconchego de seus lares para virem para a Praia, na busca de um futuro melhor, através dos estudos.
Com
eles vêm muitas expectativas, na bagagem e no coração, que podem ser, a longo prazo,
atingidas ou não. Segundo os seus relatos, as dificuldades enfrentadas são
muitas, no entanto, encaram-nas com força de vontade e como um aprendizado.
Desta
feita, Filipa Andrade é a minha entrevistada e vem contar-nos a sua
experiência!
Maria Filipa Andrade- Natural da ilha do Fogo |
Por que motivo/os resolveste vir
estudar na Praia?
Resolvi
vir estudar na cidade da Praia, porque queria fazer a minha licenciatura no
jornalismo, e como na ilha do Fogo não existe universidade tinha que vir para
cá.
Como é que ficou a relação com os teus
pais e outros familiares quando vieste morar na cidade da Praia?
Quando
eu terminei o 12º ano de escolaridade, o meu sonho era poder vir para cidade da
praia, ter uma licenciatura e então decidi falar com os meus pais sobre isso, só
que eles não tinham condições financeiras que poderiam me facilitar fazer isso,
porque além de mim, tenho mais dois irmãos que estavam a estudar no ensino
primário e secundário. Os meus pais me disseram que não iriam conseguir me
ajudar, que além da propina, havia outras despensas e lugar para ficar, apesar
disso, eu não desisti. Falei com a minha prima que mora aqui na cidade da
Praia, e ela me disse que eu poderia vir ficar na casa dela e que eu podia
procurar ajuda nas instituições que dão apoio com as propinas. Ela falou com os
meus pais, e com isso eles decidiram deixar-me vir estudar na cidade da Praia.
Tiveste dificuldades de adaptação. Se
sim, quais?
Nas
primeiras semanas passei por muitas dificuldades, coisas que nunca imaginei
passar, porque tive que morar com os familiares e a convivência não foi o que
esperava encontrar. Tive dias de agustias, lagrimas, não consegui ter sucessos
nos estudos por causa de desgosto, passei noites sem jantar, a mulher do meu
primo não falava comigo e nem sequer cumprimentar e isso me incomodava muito. Tive
que suportar tudo, e eu não dizia nada para os meus pais. Quando eles me
perguntavam se já tinha comido eu dizia que sim, mas que na verdade era
mentira, fazia isso para não lhes deixar preocupados, até chegar um dia de não
aguentava mais, falei com eles e fui ficar com as minhas colegas, que hoje sou-lhes
grata porque me acolheram no momento em que mais precisei.
Qual e a avaliação que fazes desta
experiência?
Bem,
primeiramente quando estamos numa Universidade só temos a ganhar, porque se
abrem os horizontes, adquirem-se mais conhecimentos. Além disso, quando estamos
noutra ilha, longe da nossa família, aprendemos a ser independentes, maduras,
responsáveis, apreender a andar com os nossos próprios pés, conhecemos novas
pessoas.
Também
com isso aprendemos que temos que passar por dificuldades, sacrificar, para
podemos conseguir o que queremos. Saber que na vida tem altos e baixos, que
temos que aprender a valorizar, que para ter algo temos que cair e levantar.
Como te sentes em viver numa república?
Bem,
praticamente não considero totalmente que estou a viver numa república, porque
agimos como se fôssemos uma família. A casa é comum e convivemos como uma
família; quando saimos para algum lugar avisamos para o outro, portanto, sinto-me
bem, apesar de às vezes sentir aquela falta de casa, e da família, que não é
igual a viver numa república.
Como é a tua relação com as tuas
companheiras de casa?
Durante
esses anos nunca tive nada a dizer sobre as minhas companheiras de casa, sempre
nos demos bem, cada uma faz as suas tarefas sem desentendimento, quando
precisamos de ajuda pedimos uns aos outros, portanto, temos um bom
relacionamento, não tenho nada de mal a dizer.
Qual e a sensação de viver e estudar
longe de casa e da família?
Bem, estar longe de casa não significa apenas
deixar o espaço físico em que vivemos... Quando se sai de casa, perde-se toda a
segurança do lar, da família, dos amigos, da rotina e de todo um sistema a que
estamos habituados. E, se o fazemos, é porque somos loucos ou então porque
temos fortes motivos para o fazer. Ficar longe de casa significa ficar longe de
tudo o que nos dá a confiança de que necessitamos para viver o nosso dia a dia.
Assim, quando se parte para longe, parte-se
com um objetivo, com motivações, com expectativas, criamos imagens, situações,
idealizamos um sonho de vida, apesar de termos plena consciência de que não será
fácil, mas temos de que ir procurar uma vida melhor.
É
uma sensação de muita saudade, é sentir falta da sua casa, da família, a mão
que antes me amparava nos momentos de dificuldade, agora não existe mais, pelo menos
não do jeito que queria.
Mas
deixemo-nos das coisas menos boas, se tudo isto é negativo, também tudo isto
provoca em nós algo muito positivo, trata-se de um profundo trabalho de auto
controlo, auto conhecimento; de aprendermos a estar a sós com o nosso eu, a refletir,
a meditar e a ter muita, muita paciência.
Todas
estas dificuldades nos levam a desbastar algumas das nossas arestas, coisa que
nunca faríamos na proteção das nossas “casas”… de facto, temos que amadurecer-nos
muito, aprender a ter calma, a respeitar o tempo e o espaço das pessoas – mesmo
que muitas vezes não coincida ou que entre em choque com o nosso.
O que aprendeste?
Aprendemos
muitas coisas longe de casa, desprotegidos, aprendemos outras formas de viver,
de sentir, de pensar. e aprendemos principalmente a questionar, aprendemos a
dar valor a coisas que antes punhámos de parte. e aprendemos a viver a solidão.
Portanto
no fim das contas, é como se nascêssemos outra vez. Somos como crianças a
descobrir o mundo que nos rodeia... Uns dias rimos com as surpresas, outros
dias choramos com as quedas ou os medos... mas o que importa é que, aos
poucos... vamos crescendo.
Por: Vadimila Borges
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