quarta-feira, 24 de maio de 2017

Entrevista

 "Ficar longe de casa significa ficar longe de tudo o que nos dá confiança que necessitamos para viver o nosso dia a dia."

Em Cabo Verde, já é bastante comum, um grande número de estudantes universitários abandonarem o aconchego de seus lares para virem para a Praia, na busca de um futuro melhor, através dos estudos.
Com eles vêm muitas expectativas, na bagagem e no coração, que podem ser, a longo prazo, atingidas ou não. Segundo os seus relatos, as dificuldades enfrentadas são muitas, no entanto, encaram-nas com força de vontade e como um aprendizado.
Desta feita, Filipa Andrade é a minha entrevistada e vem contar-nos a sua experiência!
Maria Filipa Andrade- Natural da ilha do Fogo

Por que motivo/os resolveste vir estudar na Praia?
Resolvi vir estudar na cidade da Praia, porque queria fazer a minha licenciatura no jornalismo, e como na ilha do Fogo não existe universidade tinha que vir para cá.

Como é que ficou a relação com os teus pais e outros familiares quando vieste morar na cidade da Praia?
Quando eu terminei o 12º ano de escolaridade, o meu sonho era poder vir para cidade da praia, ter uma licenciatura e então decidi falar com os meus pais sobre isso, só que eles não tinham condições financeiras que poderiam me facilitar fazer isso, porque além de mim, tenho mais dois irmãos que estavam a estudar no ensino primário e secundário. Os meus pais me disseram que não iriam conseguir me ajudar, que além da propina, havia outras despensas e lugar para ficar, apesar disso, eu não desisti. Falei com a minha prima que mora aqui na cidade da Praia, e ela me disse que eu poderia vir ficar na casa dela e que eu podia procurar ajuda nas instituições que dão apoio com as propinas. Ela falou com os meus pais, e com isso eles decidiram deixar-me vir estudar na cidade da Praia.

Tiveste dificuldades de adaptação. Se sim, quais?
Nas primeiras semanas passei por muitas dificuldades, coisas que nunca imaginei passar, porque tive que morar com os familiares e a convivência não foi o que esperava encontrar. Tive dias de agustias, lagrimas, não consegui ter sucessos nos estudos por causa de desgosto, passei noites sem jantar, a mulher do meu primo não falava comigo e nem sequer cumprimentar e isso me incomodava muito. Tive que suportar tudo, e eu não dizia nada para os meus pais. Quando eles me perguntavam se já tinha comido eu dizia que sim, mas que na verdade era mentira, fazia isso para não lhes deixar preocupados, até chegar um dia de não aguentava mais, falei com eles e fui ficar com as minhas colegas, que hoje sou-lhes grata porque me acolheram no momento em que mais precisei.

Qual e a avaliação que fazes desta experiência?
Bem, primeiramente quando estamos numa Universidade só temos a ganhar, porque se abrem os horizontes, adquirem-se mais conhecimentos. Além disso, quando estamos noutra ilha, longe da nossa família, aprendemos a ser independentes, maduras, responsáveis, apreender a andar com os nossos próprios pés, conhecemos novas pessoas.
Também com isso aprendemos que temos que passar por dificuldades, sacrificar, para podemos conseguir o que queremos. Saber que na vida tem altos e baixos, que temos que aprender a valorizar, que para ter algo temos que cair e levantar.

Como te sentes em viver numa república?
Bem, praticamente não considero totalmente que estou a viver numa república, porque agimos como se fôssemos uma família. A casa é comum e convivemos como uma família; quando saimos para algum lugar avisamos para o outro, portanto, sinto-me bem, apesar de às vezes sentir aquela falta de casa, e da família, que não é igual a viver numa república.

Como é a tua relação com as tuas companheiras de casa?
Durante esses anos nunca tive nada a dizer sobre as minhas companheiras de casa, sempre nos demos bem, cada uma faz as suas tarefas sem desentendimento, quando precisamos de ajuda pedimos uns aos outros, portanto, temos um bom relacionamento, não tenho nada de mal a dizer.

Qual e a sensação de viver e estudar longe de casa e da família?
 Bem, estar longe de casa não significa apenas deixar o espaço físico em que vivemos... Quando se sai de casa, perde-se toda a segurança do lar, da família, dos amigos, da rotina e de todo um sistema a que estamos habituados. E, se o fazemos, é porque somos loucos ou então porque temos fortes motivos para o fazer. Ficar longe de casa significa ficar longe de tudo o que nos dá a confiança de que necessitamos para viver o nosso dia a dia.
  Assim, quando se parte para longe, parte-se com um objetivo, com motivações, com expectativas, criamos imagens, situações, idealizamos um sonho de vida, apesar de termos plena consciência de que não será fácil, mas temos de que ir procurar uma vida melhor.
É uma sensação de muita saudade, é sentir falta da sua casa, da família, a mão que antes me amparava nos momentos de dificuldade, agora não existe mais, pelo menos não do jeito que queria.
Mas deixemo-nos das coisas menos boas, se tudo isto é negativo, também tudo isto provoca em nós algo muito positivo, trata-se de um profundo trabalho de auto controlo, auto conhecimento; de aprendermos a estar a sós com o nosso eu, a refletir, a meditar e a ter muita, muita paciência.
Todas estas dificuldades nos levam a desbastar algumas das nossas arestas, coisa que nunca faríamos na proteção das nossas “casas”… de facto, temos que amadurecer-nos muito, aprender a ter calma, a respeitar o tempo e o espaço das pessoas – mesmo que muitas vezes não coincida ou que entre em choque com o nosso.

O que aprendeste?
Aprendemos muitas coisas longe de casa, desprotegidos, aprendemos outras formas de viver, de sentir, de pensar. e aprendemos principalmente a questionar, aprendemos a dar valor a coisas que antes punhámos de parte. e aprendemos a viver a solidão.
Portanto no fim das contas, é como se nascêssemos outra vez. Somos como crianças a descobrir o mundo que nos rodeia... Uns dias rimos com as surpresas, outros dias choramos com as quedas ou os medos... mas o que importa é que, aos poucos... vamos crescendo.

Por: Vadimila Borges











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