segunda-feira, 22 de maio de 2017

Estágio- um palco de aprendizado

Evelise Carvalho- Licencianda em Jornalismo e amante da poesia
Comecei meu primeiro estágio aos 18 anos. Nessa altura, estava no primeiro ano do curso. Ingénua e cheia de fantasias quanto ao mundo do trabalho e sobretudo do jornalismo.

Iniciei o estágio no âmbito de uma formação intensiva de comunicação e jornalismo. Mas, o engraçado foi a forma como cheguei à formação.

Um dia, estávamos eu e duas das minhas colegas de turma, a falar sobre as nossas utopias de jornalismo e da vontade que tínhamos de conhecer os órgãos de comunicação nacional e saber como funcionam.

Entre uma ideia e outra, decidimos visitar pelo menos um órgão de comunicação por semana, por nossa conta própria. Começamos naquele mesmo dia. Saímos da universidade naquela mesma hora e começamos a explorar. Pensamos em alguns nomes: Record, Tiver, TCV, RPT. E decidimos ir à Tiver.

Mesmo sem saber onde ficava, saímos, a pé, do Palmarejo ao Tira Chapéu a perguntar onde é que ficava a Tiver. Alguém disse-nos que era em Terra Branca, e continuamos nosso trajecto, debaixo do sol ardente de maio. Como quem tem boca vai a Roma, perguntando e errando caminho, chegamos.

Fomos muito bem recebidas e convidadas a fazer uma formação intensiva em comunicação e jornalismo, que começava no dia seguinte. Tivemos de sair às pressas e ir pra casa buscar nossos documentos para fazermos a inscrição.

Foram 15 dias de muito trabalho, tínhamos de conciliar a formação e as aulas. No final da formação seriam escolhidos alguns dos formandos para fazer estágio. Eu fui uma das seleccionadas. E a partir desse momento, minhas fantasias começaram a cair por terra.
O estagiário é sempre “o estagiário”, a nova mina a ser explorada. Chegara, então, a hora de conhecer o mundo e as pessoas tal como são.

Os primeiros dias foram muito chatos. O estagiário tem sempre vontade de fazer, fazer e aprender, pelo menos eu tinha. Para minha desilusão, não havia muito o que fazer, não no início. Ou se calhar, eu não podia fazer determinadas coisas. Não sei se por ser desengraçada, magrizela ou por ter apenas 18 anos, como o diretor fazia questão de me lembrar. Estou a brincar. Mas, a grande verdade é que era insuportável não fazer nada. Senti-me inútil. Logo eu, que queria tanto aprender. E aprendi.

Aprendi que as pessoas cobram. Cobram sempre. Houve quem me quisesse ensinar. Mas, o preço a pagar era muito elevado e eu não podia pagar. Muitos pensam que o estagiário é propriedade para uso e descarte; a menina das águas e dos cafés ou até objeto de aventuras sexuais ou joguinhos de aliciação pós-expediente.

Aprendi, muito cedo, a reconhecer o meu valor. E por ter esta consciência e estar mais determinada a abrir os livros antes de qualquer outra coisa, decidi abandonar o estágio e voltar à universidade. Levei e levo esse choque de realidade, até hoje, como aprendizado. Esse foi mais um estágio de vida, do que de jornalismo.

Um ano mais tarde, fui outra vez chamada para fazer estágio no mesmo lugar. Aceitei. Sim aceitei. “Com a cabeça erguida e os olhos radiantes, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança”, como disse Shakespeare. Determinada a dar o melhor de mim, sempre. Como os estágios e a vida hão-de ser sempre palcos de aprendizado, estava pronta para aprender.

Desta vez, não aquela criança cheia de medo mas, uma quase mulher ciente de que é preciso enfrentar-se fantasmas e dificuldades e acima de tudo aceitar desafios. Não importando de que lado a vida conspira.
Sou rica, hoje, não em dinheiro. E nem podia ser, afinal não tenho salário. Contudo, aprecio muito o meu “aprendilário”.

O estagiário tem de, muitas vezes, ser candeeiro apagado e sombra no escuro. Tem de andar fora do tapete vermelho. Na rua deserta, com luzes apagadas. Tem de fingir não saber, nem ver ou ouvir. Um fingidor sincero. Um humilde apreendedor. A voz muda do corredor. O aprendiz que mesmo certo é errante. O estagiário é a mina pronta a ser explorada. Porém, digna. Conhecedor do seu valor. Mais amante do saber do que do reconhecimento.

O amigo do estagiário é a secretaria discreta, o porteiro sorridente, o condutor amável e a empregada de limpeza. Pessoas que hão-de sempre merecer o seu melhor “bom dia”, “boa tarde”, “como tem passado?”, “bom trabalho” e “bom fim de semana”.


Estou no terceiro ano e tenho 20 anos. Faço o meu 3º estágio, onde sempre quis estar. Num órgão de comunicação maior do que onde estava antes, no meio dos que sempre admirei. O fato de eu ter feito estágios desde cedo, não me fez melhor do que os meus colegas. Mas, me transformou no melhor que eu podia ser. 

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